Só a
é revolucionária
António Garcia Pereira
O meu percurso no Partido
Num artigo publicado no Luta Popular online em Janeiro de 2016 e denominado “De como os liquidacionistas sabotaram o jornal político do Partido”, Arnaldo Matos atreve-se a dizer que sou mitómano, tendo eu supostamente criado a tese de que teria entrado para o Partido depois do assassinato de Ribeiro Santos (e com a ideia de o substituir) quando a verdade é que eu apenas teria entrado para o Partido no final de 1975 e sabendo-se lá onde eu andava no momento em que o COPCON, a 28 de Maio de 75, assaltou as sedes do MRPP e outras instalações, tendo levado presos 432 camaradas.
Embora isto possa eventualmente não parecer muito relevante para a grande maioria das pessoas, não posso permitir que estas falsidades absolutamente miseráveis sejam perpetuadas, além de que revelam bem como Arnaldo Matos tenta destruir a minha reputação a todos os níveis e por todos os meios.
Revelam ainda o seu requinte de malvadez já que este artigo foi publicado escassos dias depois de ter morrido uma testemunha directa de onde eu me encontrava no dia 28 de Maio de 1975: o António Monteiro Cardoso que estava comigo na Faculdade de Direito e assistiu comigo ao assalto efectuado pelas tropas do Ralis e à prisão arbitrária, à porta da Faculdade, de duas camaradas, entre elas a Natália, a falecida mãe da minha filha Rita.
Sobre o Camarada Ribeiro Santos
Camarada Ribeiro Santos
Eu ingresso na Faculdade de Direito de Lisboa em 1969. Desde esse momento que me começo a envolver na vida associativa, passando a integrar a tendência ou linha associativa “Ousar Lutar, Ousar Vencer” – dirigida pelo MRPP – e nessa qualidade não só ter sido proposto e eleito delegado de curso desde o 2º até ao 5º ano, como ter passado a participar em diversas acções académicas e políticas. E é precisamente por essa razão que me encontro no meeting contra a repressão na tarde de 12 de Outubro de 1972 que teve lugar no ISEG (Antigo Económicas e Financeiras) e onde Ribeiro Santos foi assassinado pelo até hoje impune esbirro da Pide António Joaquim Gomes da Rocha.
Este momento, efectivamente, tocou-me de forma muito especial, assim como a todos os jovens que lá se encontravam, e do qual já dei vários testemunhos públicos, precisamente para que a memória de Ribeiro Santos não se perca com o tempo e seja um exemplo para as gerações vindouras, nomeadamente as mais jovens que não passaram pelos tempos de ditadura (veja-se aqui a entrevista ao canal Q sobre esse momento ou consultem-se aqui os vários textos que escrevi no blog que mantive durante algum tempo).
Eu nunca quis, nunca disse nem nunca me apresentei como querendo substituir o camarada Ribeiro Santos. Mas, isso sim, vi sempre nele um exemplo a seguir e bati-me sempre pela preservação da sua memória e do seu exemplo heróico, designadamente na Faculdade de Direito (onde Ribeiro Santos era estudante) e também na Escola onde dou aulas e onde ocorreu o assassinato, o ISEG.
Intervim até hoje em várias sessões de homenagem que lhe foram feitas, não só nas organizadas dentro do PCTP/MRPP como nas de fora, incluindo uma no Museu República e Resistência, em Benfica, outra na Faculdade de Direito e outra ainda no ISEG, estas três últimas incluindo na assistência Arnaldo Matos. Bati-me durante muito tempo pelo memorial ao camarada que hoje se encontra no ISEG.
Vir por isso dizer que eu me apresentaria como “substituto de Ribeiro Santos” é assim uma mentira completa. O que não posso negar é o quanto me marcou – e também me mobilizou para a luta – o ter assistido ao vivo ao assassinato pela Pide de um camarada a quem reconhecia inúmeras qualidades e que se encontrava na flor da juventude
Quando entro para o MRPP?
Semanas após o assassinato de Ribeiro Santos, ainda em 1972, fui recrutado como simpatizante da FEML – Federação dos Estudantes Marxistas-Leninistas, a Juventude do MRPP, pelo P.P.. Foi, aliás, nessa qualidade que passei a cumprir regularmente tarefas do PCTP/MRPP, entre as quais:
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Participação na preparação e realização de várias manifestações contra a guerra colonial como a de 21/2/73 na Praça do Chile e a de 1/5/73, onde pude escapar de ser preso por um motorista da Carris ter aberto as portas de um autocarro entre o Rossio e os Restauradores, contra as indicações da PIDE;
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uma acção na Picheleira onde fui visto e denunciado à PIDE pela então funcionária da faculdade Maria Afonso Félix, informadora da PIDE (com o pseudónimo “Roma”) tal como vim a saber quando teve lugar o seu julgamento no Tribunal Militar e onde fui chamado a intervir como testemunha de acusação;
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outra acção no Largo de Santos nas vésperas de 12/10/73, com o António Luís Cotrim, entre outros;
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a distribuição sistemática de programas de mobilização para o 1º de Maio de 73 designadamente no Estádio de Alvalade, assim como do Luta Popular, no cinema (entretanto fechado) que ficava na Rua Domingues Sequeira;
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em finais de 1974, por indicação do PCTP/MRPP, acompanhei o Advogado e camarada Martins Soares na ida à sede da PIDE tendo aí verificado a existência das fichas relativas a vários membros do Partido e cerca de três semanas mais tarde, numa nova visita à mesma sede, para constatar que aquelas fichas tinham desaparecido;
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desde Maio de 1974 que passei a fazer parte da Direcção da Associação de Amizade Portugal-China, fundada em 16 de Maio de 1974 e dirigida pelo PCTP/MRPP;
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em Setembro de 1974 participei na retirada dos materiais do PCTP/MRPP da sede da Rua do Forno do Tijolo na iminência do golpe do 28 de Setembro;
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desde o final de 1974, inícios de 1975, defendi, enquanto membro e Advogado do PCTP/MRPP, o Luta Popular e o seu director nos processos-crime que contra ele foram instaurados;
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na mesma qualidade conduzi no meu Mini Arnaldo Matos e outros membros do Comité Central, em Fevereiro de 1975, da sede do Forno do Tijolo até à de Alcântara e daqui até ao Supremo Tribunal de Justiça para a entrega do processo e respectivas assinaturas, de legalização do MRPP;
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representei legalmente o PCTP/MRPP na dura luta – em particular contra o PCP, aí representado por Vital Moreira – junto do Supremo Tribunal de Justiça, pelo direito ao uso, pelo MRPP, do símbolo da foice e do martelo;
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nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 1975, defendi no Tribunal de Instrução Criminal (onde, aliás, conheci os juízes Joaquim Matos e Coelho Ventura), os camaradas que eram presos pelo COPCON;
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a 16 de Maio de 1975 fui chamado a subscrever a convocatória e a participar na direcção do comício da Associação Amizade Portugal-China, comemorativo do seu primeiro aniversário, que era no fundo um pretexto para que o PCTP/MRPP, que estava desde 17 de Março de 1975 proibido de exercer actividade na sequência do contra golpe social-fascista de 11 de Março desse ano, levasse a cabo essa mesma actividade política;
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etc.
Assim se vê como constitui uma pérfida, absoluta e refinada mentira vir-se dizer que eu apenas teria entrado para o PCTP/MRPP depois do 28 de Maio de 1975.
Mas deixemos que seja o próprio Arnaldo Matos a dizer quando é que eu entrei para o Partido.
Neste vídeo, ele conta precisamente como e quando é que nós nos conhecemos, referindo especificamente que sabia que eu pertencia ao PCTP/MRPP, pelo menos desde 1972, provando assim que é mentira o que ele próprio escreveu no Luta Popular em Janeiro de 2016, ou seja, de que eu apenas teria entrado para o Partido no final de 1975:
E a 28 de Maio de 1975 quando os camaradas foram levados pelo COPCON?
Nesse dia, estava eu na Faculdade de Direito, entre outros, com o António Monteiro Cardoso com quem tratei de esconder das tropas do COPCON que por ali entraram os materiais da chamada “comissão de saneamento” que estavam na sala 7, e que continham designadamente a identificação dos professores fascistas, dos gorilas e dos funcionários que eram informadores da PIDE e que tinham entretanto sido identificados.
O próprio Monteiro Cardoso ia sendo preso pois, ao verificar que os indivíduos do COPCON iam levar presas duas camaradas – uma delas a minha primeira mulher, Natália Batalha Dias – de forma completamente arbitrária e sob o pretexto de que as tinham visto na manifestação que o PCTP/MRPP levara a cabo à porta do RALIS no dia 11 de Março, ele, Monteiro Cardoso, saltou para o camião onde elas eram levadas e foi de lá atirado para o chão. Num dos dias seguintes, tive uma discussão violentíssima, numa reunião geral de professores, com Macaísta Malheiros, que defendia essa entrada do COPCON na faculdade e as prisões.
Fiz igualmente parte da AFAP, a chamada Associação dos Familiares e Amigos dos antifascistas presos, onde esteve também a minha mãe, e participei em todas as manifestações para libertação dos presos, tendo numa delas escapado por um triz de ser preso pela Polícia Militar.
Manifestação em Caxias atacada a tiro pelo COPCON
Queria ainda sublinhar com toda a clareza que aquilo que se passou na noite de 28 de Maio de 1975 e onde eu estava, e o que é que eu então fiz, bem como aquele episódio envolvendo a prisão das duas camaradas, eram e são do perfeito conhecimento de Arnaldo Matos. E foram objecto de comentário e confirmação por parte do próprio Monteiro Cardoso por várias vezes, a última das quais poucos dias antes de morrer.
Falecido o Monteiro Cardoso, que era testemunha destes factos, Arnaldo Matos – que foi ao velório daquele – publica no Luta Popular um artigo a dizer que não se sabe, até hoje, onde estava eu nessa altura!?
Ora, quando se chega a este ponto de falsificação da História, e designadamente da História do PCTP/MRPP – falsificação essa que poderá enganar transitoriamente quem não a conheça, mas não engana quem por ela passou – torna-se evidente que tudo se tornou possível e que deixou de haver qualquer réstia de dignidade ou de decência.
Posso ter cometido vários erros, e alguns deles graves, durante o meu percurso no PCTP/MRPP mas posso afirmar que durante a minha militância no Partido – como sabem todos aqueles que comigo privam ou privaram quer política, quer pessoal, quer profissionalmente e que não se prestam a falsificar a História – nunca tratei mal, nunca menosprezei nem nunca insultei ninguém, como nunca afirmei ou pus outros a afirmarem pretensos factos que bem sabia serem falsos para assim procurar obter ganhos políticos, pessoais ou profissionais. Como nunca por nunca me prevaleci da superioridade física de quem quer que fosse (minha ou de alguém próximo de mim) para perseguir, ameaçar e muitos menos agredir alguém de quem discordasse. E assim continuarei!
A questão essencial da falsificação consciente da História e aquilo que ela revela acerca de quem a pratica – como é evidente, quem mente num ponto, mente em cem – é que quem usa destes métodos, tendo o Poder, de tudo é capaz.
E quem se pretende portador e defensor de ideias revolucionárias não age nem pode agir assim.
António Garcia Pereira
Maio de 2017